sábado, 3 de abril de 2010

Opinião: Não faz sentido proibir a burca.





Leia abaixo a reportagem do DER SPIEGEL sobre a polêmica Burca. Mais tarde, volto ao tema para tecer alguns comentários.


A Bélgica provavelmente proibirá as mulheres de vestirem a burca ou o niqab em público neste mês. Apesar da oposição ao véu islâmico ser compreensível nas sociedades democráticas ocidentais, proibi-lo não resolverá os problemas fundamentais de integração.

O Islã é basicamente aquilo em que os muçulmanos acreditam. Alguns acreditam que sua fé é perfeitamente compatível com cerveja. Outros acreditam que a única roupa adequada para uma mulher é a burca. A maioria dos muçulmanos se enquadra em um ponto intermediário entre esses dois extremos.

Se essas convicções religiosas se transformam em um problema depende do contexto social. No Afeganistão, a cerveja é um problema, mas a burca não. Na Bélgica, é o oposto. Há no momento uma ampla coalizão na Bélgica, incluindo verdes, liberais, democratas-cristãos, socialistas e a extrema direita, que quer impor uma proibição legal ao uso da burca e do véu que cobre o rosto chamado de niqab. Essa proibição seria aplicada por meio de multas ou até mesmo pena de prisão.

Uma proibição semelhante foi proposta na França e não causaria surpresa se o debate da burca logo se estendesse a outros países europeus, incluindo a Alemanha. E isso apesar de pouquíssimas mulheres que vivem no Ocidente usarem de fato a burca ou o niqab.

Impedindo a integração

Uma das ideias fundamentais da modernidade ocidental é o de que o mundo seria um lugar melhor se os países fossem mais parecidos com a Bélgica e menos como o Afeganistão. Homens e mulheres deveriam ser iguais, ninguém deveria ser excluído ou se sentir excluído, a religião deveria ser um assunto em grande parte privado. E os parlamentares belgas obviamente sentem que a burca e o niqab violam esses princípios fundamentais.

Isso é compreensível. Segundo esses padrões, a prática de tornar as mulheres –e nunca os homens– irreconhecíveis em público é uma provocação. E frequentemente há a suspeita de que algumas dessas mulheres são forçadas a vestir essas coberturas. Também pode ser presumido que as crianças nessas famílias não estão sendo criadas com ideias particularmente emancipadoras. Há certamente pouca dúvida de que esses véus atrapalham a integração.

Todavia, não faz sentido proibir a burca e o niqab. Essa proibição seria simplesmente atacar um sintoma, ignorando o problema real. Em questão não está o véu que cobre a cabeça, mas aquele que está dentro da cabeça.

Para qualquer mulher que é forçada a vestir a burca, uma proibição apenas asseguraria que ela não mais seria autorizada a sair de casa. Ninguém está seriamente sugerindo que ela teria um efeito instrutivo ou esclarecedor sobre o marido. E é arriscado especular que ela se sentiria apoiada por esta declaração legislativa.

Proibições não derrubam barreiras

Certamente é verdadeiro que as burcas parecem deslocadas na Europa. Afinal, a Europa representa a ideia de uma sociedade democrática, dinâmica e aberta. Quando parte da sociedade se remove (ou é removida) desses ideais, então isso é um problema.

Entretanto, proibições não tornam esses ideais mais claros ou mais palatáveis, não encorajam a participação e não derrubam barreiras. Elas fazem sentido quando envolvem ações concretas, como mutilação genital de meninas ou incitação à violência, nenhum dos quais são problemas exclusivamente muçulmanos.

Aqueles que gostariam de ver a burca e o niqab desaparecerem das ruas da Europa, entretanto, precisam procurar por outras soluções. A integração em uma sociedade aberta só pode ocorrer por meio de contato e troca. A frequência compulsória de crianças nas pré-escolas faria muito mais sentido, combinada com a obrigação por parte de ambos os pais de estarem presentes nos encontros de pais e mestres. E é melhor ir vestindo uma burca do que não ir.

A vantagem de propostas como estas é que não visam apenas as mulheres, nem apenas as famílias nas quais a mulher veste uma burca. Nem toda mulher vestindo uma burca ou um niqab se sente oprimida. E a prisão em que muitas mulheres muçulmanas sem dúvida vivem também pode ser invisível. Ela não é feita de tecido, mas de ideias.


Tradução: George El Khouri Andolfato


Retirado: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2010/04/03/opiniao-nao-faz-sentido-proibir-a-burca.jhtm

Um comentário:

  1. Esse episódio na Bélgica é mais um exemplo da tensão existente entre dois tipos de política dominantes nas sociedades ocidentais: política da igual dignidade universal de um lado (afirmação da igualdade entre todos seres humanos, sem discriminação); e a política da diferença (afirmação da identidade e particularidade cultural de indivíduos e coletividades). Pelo o que se viu, a Bélgica optou pelo primeira política, baseada no principio de reconhecimento da igualdade e, aparentemente, descartou o principio de reconhecimento da identidade e autenticidade, associado a segunda forma de política.

    ResponderExcluir