domingo, 18 de abril de 2010

A Ciência também é isto:



As pesquisas sobre Q.I, e suas correlações com as mais estranhas variáveis e comportamentos, possuem uma longa tradição na ciência – sobretudo nos EUA - e, desde muito, constituem um dos principais meios de propaganda e conquista de prestígio e renome junto à “opinião pública” e à mídia de uma maneira rápida e pouco desgastante. Basta aplicar algumas pilhas de questionários, uma análise estatística básica, acrescente variáveis como infidelidade, crença, rendimento acadêmico, e cruze com os dados coletados de acordo com certos perfis e pronto, todas as inferências já estão logicamente justificadas pela transparência dos números sem maiores problemas e dúvidas!

Sob uma estratégia similar, Satoshi Kanazawa, psicólogo evolucionista da London School of Economics and Political Science, publicou na revista da Associação Americana de Sociologia, a Social Psychology Quaterly, um extenso artigo intitulado; "Porque os liberais e ateus são mais inteligentes.”.

Em síntese, o argumento central é o seguinte: se considerarmos a inteligência como um produto evolutivo resultante da exposição às novas situações e demandas relativas à espécie, sua sobrevivência e desenvolvimento, a inteligência mais capaz é aquela que consegue adaptar-se a essas novas situações e dar continuidade ao processo de evolução da espécie. Desse ponto de vista, o autor sustenta que o liberalismo e o ateísmo são respostas adaptativas a situações novas, do “ponto de vista evolucionário”, que surgiram para espécie. E, por não recorrerem à explicação em termos de natural ou sobrenatural, como os religiosos e conservadores, eles impelem a inteligência, em sua empresa para adaptar-se às novas condições evolutivas, a um salto, a uma evolução, progresso, ou seja, a novas inclinações e práticas. Logo, segundo Satoshi, ateus e liberais tendem a ser mais inteligentes, pois suas disposições psicológicas e sociais são sinais evolutivos da espécie, na medida em que constituem uma abertura/adaptação/resposta ao uma “novidade evolucionária”. O mesmo argumento se estende aos monogâmicos.

O espantoso não é nem tanto o reducionismo desses barbarismos intelectuais e provincianos, que mais buscam lucros editoriais e midiáticos do que o aprimoramento e a sofisticação dos horizontes da pesquisa científica e de seus desdobramentos, mas o silêncio e a pouca atenção dada pelos filósofos e sociólogos, enfim, das humanidades em geral. Pesquisas desse tipo, e sua fácil penetração nos meios de comunicação, revelam uma indiferença explícita, seja por ignorância ou desprezo, às humanidades; a sua história intelectual e seus trabalhos.

Não se trata apenas de uma questão científica -, de criticar as pressuposições epistemológicas e as simplificações desses trabalhos - ou de disputa intelectual, mas uma questão com urgência ética e política.

Ética porque toda atividade intelectual é uma prática social com efeitos sociais, políticos, culturais e econômicos específicos e interligados tanto aos enunciados teóricos, quanto a práxis propriamente dita. Portanto, exigente de responsabilidade, reflexividade e avaliação dos enunciados produzidos e das implicações – possíveis e efetivas – destes na sociedade, em geral, e na pesquisa científica, em particular. Questão política porque se trata também de denunciar e combater os efeitos de poder relativos à pesquisas do tipo mencionado: o mascaramento de posições normativas, preconceitos e de crenças morais que sob verniz da “pesquisa científica” e da neutralidade e objetividade dos resultados obtidos servem a determinados segmentos e visões de mundo em detrimento de outros.

Portanto, urge indagar: por quanto tempo, sociólogos, antropólogos, filósofos e historiadores assistirão passivos esses disparates que jogam à lata do lixo seus ofícios, história intelectual e trabalhos, contentando-se em responder tão somente por meio de conversas de corredor, exclamadas de indignação, por ironias em palestras e em aulas ou através de notas de rodapé publicadas em revistas e blogues? Será que já não é o momento de uma obra de fôlego, de um empreendimento consistente, rigoroso, em franco antagonismo com pesquisas desse tipo, reducionistas e biologizantes - e suas variações neuro-genética-psicológicas -, e que, sobretudo, reuna transdisciplinarmente as humanidades no sentido de levar suas contribuições, história e perspectiva crítica para públicos diversos?



Leia nos links abaixo, respectivamente, a reportagem sobre a pesquisa de Satoshi e o artigo do psicólogo evolutivo:

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