sexta-feira, 9 de abril de 2010

De um gênio para outro: Goethe sobre Shakespeare









“Não me lembro de nenhum outro livro, ser humano, nem de qualquer acontecimento da vida que tanta impressão me tenha causado quanto essas peças magníficas (...). Parecem obra de um gênio celestial, que se aproxima dos homens para lhes dar a conhecer a si mesmos da maneira mais natural. Não são composições poéticas! Acreditamos encontrar-nos diante dos colossais livros do destino em que, uma vez abertos, sibila o vento impetuoso da mais agitada vida, e com uma rapidez e violência vai virando suas páginas”.


Johann Wolfgang von Goethe. Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister. São Paulo: Ed. 34, 2006.


Eis aí um livro que, juntamente com Cartas a um jovem poeta de Rainer Maria Rilke, devemos sempre ler aos vinte anos. Ouso mais: existem livros que deveriam ser tratados como ritos de passagem obrigatórios à vida adulta. Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister de Goethe é um desses livros que golpeiam a alma e o entendimento, de tal forma que resulta difícil distinguir um do outro.

Como na maior parte dos “romances de formação” alemãs (Bildungsroman), o tema orbita pelas questões de como se tornar aquilo que se é: qual o sentido de nossa vida, a que ideal ou a quem dedicá-la, como exprimir nossa individualidade, isto é, nossas habilidades e virtudes com o máximo de força e estilo, como dá forma a este “espetáculo cheio de som e fúria” que é a vida ?

Tarefa árdua que passa, necessariamente, pela experiência do ser no mundo. Portanto, que tem a ver com colocar-se à prova segundo o compasso da vida e seu devir; os erros, desacertos, desvios, escolhas. Para aprender/descobrir o que somos é necessário mais do que apoderar-se, com violência e tenacidade, de si mesmo, converter este “si” ao mesmo tempo em sujeito e objeto de criação e cultivo, de um processo de formação que é conduzido em termos de experimentação com a exterioridade da vida - os acontecimentos, pessoas, circunstâncias e relações que compõem este acidente que é a vida de cada um nós.

Delineia-se no livro uma “quase pedagogia”, ou melhor, no dizer de Michel Foucault, uma estética da existência, que trata mais de como criar relações com nós mesmos – nossas forças, habilidades, virtudes e demônios - e com a vida – com os valores, relações e funções concernentes aos espaços nos quais estamos inseridos -, do que de um voltar-se para si, para dentro, uma pedagogia da escavação que busca o resíduo sobre o qual supostamente repousaria a verdade do que somos.

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