Bret Stephens, colunista do Wall Street Journal, disse a seus leitores que o espírito de Milton Friedman sobrevoava o Chile como um protetor. Segundo Stephens, as medidas radicais pró-livre mercado prescritas ao ditador chileno Augusto Pinochet por Milton Friedman e seus infames “Chicago Boys” constituem a razão pela qual o Chile é uma nação próspera que dispõe “de códigos de edificação que figuram entre os mais rigorosos do mundo”. Não é verdade. O código moderno de edificação sísmica no Chile, redigido para resistir a terremotos, foi adotado em 1972, durante o governo Allende. O artigo é de Naomi Klein, escritora, e publicado por Carta Maior, 19-03-2010.
Eis o artigo.
Desde que a desregulamentação causou um desastre econômico mundial em setembro de 2008 e todo mundo voltou a ser keynesiano, não tem sido fácil posar de seguidor fanático do falecido economista Milton Friedman. A sua variedade de fundamentalismo de livre mercado está tão desacreditada que seus admiradores estão cada vez mais desesperados por reivindicar vitórias ideológicas, por mais exageradas que sejam tais reivindicações. Vamos considerar o caso de um exemplo especialmente desagradável. Apenas alguns dias depois de um terremoto demolidor golpear o Chile, Bret Stephens, colunista do Wall Street Journal, informava seus leitores que “o espírito de Milton Friedman sobrevoava o Chile como um protetor”, uma vez que, “graças a ele em boa medida, o país havia resistido a uma tragédia que poderia ter se tornado um apocalipse. Não foi por acaso que os chilenos viviam em casas feitas com tijolos – e os haitianos em casas de palha – quando chegou o lobo tentando derrubá-las com um sopro”.
Segundo Stephens, as medidas radicais pró-livre mercado prescritas ao ditador chileno Augusto Pinochet por Milton Friedman e seus infames “Chicago Boys” constituem a razão pela qual o Chile é uma nação próspera que dispõe “de códigos de edificação que figuram entre os mais rigorosos do mundo”.
Há um problema de vulto com essa teoria: o código moderno de edificação sísmica no Chile, redigido para resistir a terremotos, foi adotado em 1972. A data é enormemente significativa, pois se trata de um ano antes de Pinochet tomar o poder mediante um sangrento golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos. Isso quer dizer que, se há alguém que merece o crédito por essa lei, não é Pinochet, mas sim Salvador Allende, o presidente socialista chileno democraticamente eleito (o certo é que se deve agradecer a muitos chilenos, uma vez que as leis respondem a uma história cheia de terremotos, e as primeiras disposições foram adotadas na década de 1930).
Parece significativo ainda que a lei tenha sido promulgada em meio a um asfixiante embargo econômico (“que a economia grite”, grunhiu, segundo a fama, Richard Nixon quando Allende ganhou as eleições em 1970). O código de edificações foi atualizado nos anos 90, bem depois que Pinochet e os Chicago Boys abandonassem finalmente o poder e o Chile retornasse á democracia.
Não é surpreendente, como aponta Paul Krugman, que Friedman fosse ambivalente em relação aos códigos de edificação, considerados por ele como mais uma violação da liberdade capitalista. Quanto ao argumento de que as políticas de Friedman são a razão pela qual os chilenos vivem em “casas de tijolo” ao invés de “casas de palha”, fica claro que Stephens não sabe nada do Chile antes do golpe. O Chile dos anos 60 gozava do melhor sistema sanitário e educacional do continente, além de dispor de um efervescente setor industrial e de uma classe média em rápido crescimento. Os chilenos acreditavam em seu Estado, razão pela qual elegeram a Allende para ampliar ainda mais esse projeto.
Após o golpe e o assassinato de Allende, Pinochet e seus Chicago Boys fizeram tudo o que puderam para desmantelar a esfera pública chilena, privatizando as empresas públicas e reduzindo as regulamentações financeiras e comerciais. Criou-se uma enorme riqueza neste período, mas a um preço terrível: no início dos anos 80, as medidas de Pinochet, recomendadas por Friedman, tinham provocado uma rápida desindustrialização, multiplicando o desemprego por dez e criando uma explosão de bairros pobres repletos de barracos absolutamente instáveis.
Essas medidas levaram também a uma crise de corrupção e a uma dívida tão grave que, em 1982, Pinochet se viu forçado a demitir os assessores dos Chicago Boys e nacionalizar várias instituições financeiras que tinham sido alvo do processo de desregulamentação (soa familiar?).
Felizmente, os Chicago Boys não conseguiram destruir tudo o que foi construído por Allende. A empresa nacional de cobre, Codelco, continuou nas mãos do Estado, gerando riqueza para os cofres públicos e impedindo que os Chicago Boys mergulhassem a economia chileno em um completo abismo. Tampouco conseguiram destruir o rigoroso código de edificação do Chile, um descuido ideológico pelo qual devemos todos agradecer.
Eis o artigo.
Desde que a desregulamentação causou um desastre econômico mundial em setembro de 2008 e todo mundo voltou a ser keynesiano, não tem sido fácil posar de seguidor fanático do falecido economista Milton Friedman. A sua variedade de fundamentalismo de livre mercado está tão desacreditada que seus admiradores estão cada vez mais desesperados por reivindicar vitórias ideológicas, por mais exageradas que sejam tais reivindicações. Vamos considerar o caso de um exemplo especialmente desagradável. Apenas alguns dias depois de um terremoto demolidor golpear o Chile, Bret Stephens, colunista do Wall Street Journal, informava seus leitores que “o espírito de Milton Friedman sobrevoava o Chile como um protetor”, uma vez que, “graças a ele em boa medida, o país havia resistido a uma tragédia que poderia ter se tornado um apocalipse. Não foi por acaso que os chilenos viviam em casas feitas com tijolos – e os haitianos em casas de palha – quando chegou o lobo tentando derrubá-las com um sopro”.
Segundo Stephens, as medidas radicais pró-livre mercado prescritas ao ditador chileno Augusto Pinochet por Milton Friedman e seus infames “Chicago Boys” constituem a razão pela qual o Chile é uma nação próspera que dispõe “de códigos de edificação que figuram entre os mais rigorosos do mundo”.
Há um problema de vulto com essa teoria: o código moderno de edificação sísmica no Chile, redigido para resistir a terremotos, foi adotado em 1972. A data é enormemente significativa, pois se trata de um ano antes de Pinochet tomar o poder mediante um sangrento golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos. Isso quer dizer que, se há alguém que merece o crédito por essa lei, não é Pinochet, mas sim Salvador Allende, o presidente socialista chileno democraticamente eleito (o certo é que se deve agradecer a muitos chilenos, uma vez que as leis respondem a uma história cheia de terremotos, e as primeiras disposições foram adotadas na década de 1930).
Parece significativo ainda que a lei tenha sido promulgada em meio a um asfixiante embargo econômico (“que a economia grite”, grunhiu, segundo a fama, Richard Nixon quando Allende ganhou as eleições em 1970). O código de edificações foi atualizado nos anos 90, bem depois que Pinochet e os Chicago Boys abandonassem finalmente o poder e o Chile retornasse á democracia.
Não é surpreendente, como aponta Paul Krugman, que Friedman fosse ambivalente em relação aos códigos de edificação, considerados por ele como mais uma violação da liberdade capitalista. Quanto ao argumento de que as políticas de Friedman são a razão pela qual os chilenos vivem em “casas de tijolo” ao invés de “casas de palha”, fica claro que Stephens não sabe nada do Chile antes do golpe. O Chile dos anos 60 gozava do melhor sistema sanitário e educacional do continente, além de dispor de um efervescente setor industrial e de uma classe média em rápido crescimento. Os chilenos acreditavam em seu Estado, razão pela qual elegeram a Allende para ampliar ainda mais esse projeto.
Após o golpe e o assassinato de Allende, Pinochet e seus Chicago Boys fizeram tudo o que puderam para desmantelar a esfera pública chilena, privatizando as empresas públicas e reduzindo as regulamentações financeiras e comerciais. Criou-se uma enorme riqueza neste período, mas a um preço terrível: no início dos anos 80, as medidas de Pinochet, recomendadas por Friedman, tinham provocado uma rápida desindustrialização, multiplicando o desemprego por dez e criando uma explosão de bairros pobres repletos de barracos absolutamente instáveis.
Essas medidas levaram também a uma crise de corrupção e a uma dívida tão grave que, em 1982, Pinochet se viu forçado a demitir os assessores dos Chicago Boys e nacionalizar várias instituições financeiras que tinham sido alvo do processo de desregulamentação (soa familiar?).
Felizmente, os Chicago Boys não conseguiram destruir tudo o que foi construído por Allende. A empresa nacional de cobre, Codelco, continuou nas mãos do Estado, gerando riqueza para os cofres públicos e impedindo que os Chicago Boys mergulhassem a economia chileno em um completo abismo. Tampouco conseguiram destruir o rigoroso código de edificação do Chile, um descuido ideológico pelo qual devemos todos agradecer.
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