Desde seu nascedouro, em algum lugar entre o século XVIII e XIX, a pornografia esteve voluptuosamente conectada à tecnologia. A etimologia da palavra não deixa dúvidas. Em seu secular percurso histórico, dos antros das obscenidades e da clandestinidade do universo dos libertinos, hereges e de toda espécie de ser e ocupação de reputação duvidosa até a sua transformação fílmica em serviço de entretenimento pela cultura de massa do século XX, a pornografia acompanhou as inovações tecnológicas vis-à-vis, despertando tantas volúpias quanto indignações. Primeiro com os panfletos e livretos de contos e caricaturas impressas, depois à fotografia, o cinema e, por último, a internet.
O mais novo desdobramento desse processo, na esteira do sucesso do último filme do diretor James Cameron, Avatar, foi anunciado pela Hustler, conhecida produtora no ramo da fornicação mercantilizada. A promessa da Hustler é por em cena uma paródia pornô de Avatar, cujo título é This Ain’t Avatar XXX. É improvável que a Hustler disponha do aparato tecnológico utilizado e da habilidade técnica e cinematográfica requeridas, responsáveis pelo marco no cinema que o filme do James Cameron representa. Entretanto, suponhamos, por um instante, e por sincero interesse sociológico, que o diretor de Avatar cedesse os equipamentos de simulação 3D e auxiliasse a produção da versão pornô do povo Na’vi. Tal feito além de abrir novos horizontes de prazer, satisfação e de comportamentos sexuais, seria, seguramente, algo proveitoso ao pensamento. Ou como dizia o outrora etnólogo Levi-Strauss: “bom pra pensar”.
Pelo menos no cinema, a encenação de um sexo limpo, livre dos fluídos, dos odores e do roçar dos corpos não é uma novidade. Por exemplo, no filme O Demolidor, há uma cena na qual Sylvester Stallone e Sandra Bullock oferecem-nos a insípida e cômica idéia de um possível coito futurista mediado por capacetes de interface neural configurados para produzir, sem nenhuma pegação, as reações químicas responsáveis pela sensação de prazer através da simulação e projeção de uma relação sexual realizada por hologramas do casal. Veja aqui a cena mencionada.
Por enquanto, não convém adentrar em julgamentos e avaliações acerca da riqueza e/ou pobreza de relações sexuais mediada por avatares, corpos-softwares, hologramas e corpos sintéticos, etc. Assim evitamos cair num discurso alarmista e apressado, segundo o qual as novas tecnologias representam sempre uma ameaça à natureza, o que, no campo da sexualidade, corresponderia a uma ameaça ao corpo e ao desejo.
Na verdade, penso que, longe de subsumir o desejo ou o corpo, a tecnologia intensifica-nos mediante sua articulação em novas composições técnicas, relações e forças que mobilizam e produzem novos sentimentos, sensibilidades, possibilidades, etc., – pensemos nos artifícios da cirurgia plástica, do PhotoShop, nas próteses, nas inúmeras substâncias e suplementos químicos voltadas para o desempenho do corpo ou para o restabelecimento de uma situação de equilíbrio.
A confusão ocorre quando em vez de compreendermos o corpo como um processo ativo, aberto e maleável, segundo as condições e possibilidades históricas e culturais, o entendemos somente como uma materialidade físico-orgânica estanque e sagrada. As tecnologias de simulação longe de representar a extinção ou crise do corpo, elas significam a encarnação do corpo em novas possibilidades técnicas. Se for verdadeiro, como afirma Heidegger, que não existimos com a técnica, mas na técnica, então em vez da obsolescência e apagamento do corpo, como sugere alguns, temos em marcha, na verdade, um outro processo de corporificação, uma vez que, como afirma Merleau-Ponty: “o corpo é um conjunto de possibilidades continuamente realizáveis”.
Os Avatares, a introdução de tecnologias de simulação digital nas relações sexuais, realizariam todas as formas sonhadas de mutação, que, por suas características, livrar-nos-ia do peso do corpo, das marcas essencializadas da raça e do sexo; nem a idade, nem a saúde seriam mais obstáculos. Em vez da morte do corpo, creio, teríamos o exorcismo do corpo pela técnica; liberação do orgânico, da fraqueza dos órgãos, enfim, o exorcismo de tudo aquilo que convencionamos associar ao humano: o corpo, a finitude, a vulnerabilidade, as paixões, a morte, a vida entendida no seu sentido de vulnerabilidade e imperfeição. Avatar é uma nova possibilidade de corporificação em direção à emancipação do humano de seus últimos fundamentos teológicos e humanistas.
Retornando ao tema de origem do texto, creio a virtualização do sexo pela tecnologia Avatar seria muito proveitosa para a escola, por exemplo. Imaginemos a revolução que se abateria sobre as aporrinhadoras e pacatas aulas de educação sexual, que mais disciplinam, amedrontam e entediam, com suas ameaças em forma de cartazes, cartilhas e folders insossos do que educa para uma relação atraente, autônoma e amorosa com a sexualidade.
No horizonte próximo, uma nova configuração do corporal e do sexual já acenam. Em alguns anos à frente, talvez, as veias incorruptas pelas quais o prazer corre desembocará em outras fontes. O desejo, o prazer, o sexo passará por novas partes. Sua fruição delirante mediada por cabos, softwares, plugs; impulsionada por ondas, bytes, posições e técnicas sexuais para download e upgrades, orgasmos garantidos por gadgets. A digitalização do sexual seria como que uma espécie de transfusão e descorporificação do sexual, mas isto não quer dizer dessimbolização deste.
O agenciamento da sexualidade e do erotismo com as práticas relacionadas à tecnologia Avatar desestabilizaria por inteiro a organização genital da sexualidade, esta que é a matriz moderna demarcadora da polícia do sexo normal, natural, e, por conseqüência, do que é considerado desviante e perverso.
Vivemos em um mundo, como sentenciou Baudrillard, marcado pelo afundamento progressivo da realidade no hiperrealismo. Um mundo governado por modelos de reprodução minuciosa e alucinante do real – fotografia, publicidade, vídeos, games 3D, cibernética etc -, isto é, um mundo constituído por simulacros e simulação no qual a ênfase repousa muito mais na representação da coisa do que na própria coisa em si. A ascensão do simulacro é exatamente isto: o arrebatamento da coisa em si, das consciências e do real pela representação. Esta, a imagem de um objeto, é mais importante, mais desejada do que o real, o concreto, o objeto.
Portanto nem mais a sexualidade e o sexo escapam ao avanço dos simulacros. Eles estão embutidos nos próprios corpos – transexuais – por vias técnicas que manipulam sua materialidade ou por meio da manipulação de sua representação – cirurgias estéticas e corretivas no primeiro e vídeos, hologramas, corpos sintéticos, Avatares, no segundo. Os corpos podem ser, agora, nosso joguete de cordas, nossa alegoria.
Alyson Thiago F. Freire
Não sei o que seria melhor ou mais esquisito; participar do experimento hot Avatar ou assistí-lo em 3D. O primeiro depende do com "quem", pera aí, mas com esse tipo de tecnologia poderíamos escolher/fabricar um avatar no estilo da Angelina Jolie, não é? Poderíamos até mesmo inverter os papéis sexuais, os gêneros!? Nossa! Admirável e confuso mundo novo...
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