quinta-feira, 11 de março de 2010

Castigo e Culpa

O que quer aquele que castiga físico e moralmente? Que sentimentos experimenta e o que deseja incutir em suas vítimas? Dominar com poder exclusivo a alma e o corpo de outrem. Inscrever sua força e sua autoridade no corpo, e, assim, habitar a alma do outro a tal ponto que este reconheça, a um só tempo, a autoridade e o direito daquele que castiga e as falhas e faltas que o levaram-no a ser castigado por seu algoz. Legitimidade e culpa, eis a base da economia emocional que é incutida e que leva a vítima a desejar “voluntariamente” o seu algoz e a ornar o castigo com expectativas nobres cujo objetivo e justificativa consistiriam em edificar, melhorar, salvar, aprimorar, etc.

Mas como e quando a punição física converteu-se em punição moral? Diz-nos Nietzsche:

"Esses genealogistas da moral teriam sequer sonhado, por exemplo, que o grande conceito moral de ‘culpa’ teve origem no conceito muito material de ‘dívida’? Ou que o castigo, sendo reparação, desenvolveu-se completamente à margem de qualquer suposição acerca da liberdade ou não-liberdade da vontade? – e isto a ponto de se requerer primeiramente um alto grau de humanização, para que o animal ‘homem’ comece a fazer aquelas distinções bem mais elementares, como ‘intencional’, ‘negligente’, ‘casual’, ‘responsável’ e seus opostos, e a levá-las em conta na atribuição do castigo".

Segundo Nietzsche, o credor diante do não pagamento material da dívida substitui a crueldade física pela satisfação íntima e a sensação de poder experimentada em fazer o outro sofrer. Entretanto, o prazer extraído não consiste em apenas ver o sofrimento, o rebaixamento, a submissão do outro ou lhe causar tais coisas. Não, é o poder de lançar sobre o outro, o devedor, disposições mentais e de condutas, tais quais “intenção”, “responsabilidade”, “negligência”, “falsidade”, poder também de qualificá-lo e rebaixá-lo; “mentiroso”, “pecador”, “sem honra”, etc. Disto é que deriva o sentimento de satisfação em castigar moralmente.

Mas, ainda resta a principal questão: como os homens infligiram à dor sentimentos e sensações, digamos metafísicas, como culpa, prazer, resignação, e, deste modo, fizeram-na “doer mais” e penetrar mais fundo? Como o sentimento de culpa foi possível?

Nenhum comentário:

Postar um comentário