segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Os "caretas" da OAB e a arte



No último dia 25, a 29º Bienal abriu as portas para o público em São Paulo. Entre as obras, uma série, em particular, causou certa polêmica. Trata-se da série “Inimigos” do artista pernambucano Gil Vicente, que, aliás, salvo engano, já foi exposta aqui em Natal há alguns anos atrás, Nela, numa espécie de autoretrato, o artista exibe a si mesmo com arma em punho prestes a alvejar altas personalidades da política mundial e brasileira; Lula, FHC, o Papa Bento XVI, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, a rainha da Inglaterra, Elizabeth II, e o ex-primeiro ministro de Israel, Ariel Sharon estão todos sob a mira e a fúria do “devir-terrorista” de Gil Vicente.

Evidentemente, como se trata de uma Mostra que goza, nos circuitos culturais do país, de notória visibilidade, a série de Gil Vicente, ao contrário da reação em outras localidades, não poderia deixar de levantar polêmicas. Logo, as vozes das boas consciências, a mais querida agência moral do indivíduo civilizado, como dizia Marcuse,  representadas pela OAB se ergueram contra os quadros do artista pernambucano. Acusaram-na de “apologia à violência e ao crime”, e a OAB sugeriu que as mesmas não fossem à público.

Quem quer esteja minimamente familiarizado com os stencil, tão comum nos muros e calçadas das grandes cidades, não há de se chocar e se incomodar com a mostra “Inimigos”. Porém, aos polidos advogados da Ordem, seguidores da estética da “admiração desinteressada” e do juízo do gosto – gosto de quem? cara pálida -, qualquer coisa mais ou menos subversiva, mais ou menos visceral, espicaça-lhes a pele e parece-lhes, aos seus olhos delicados, um atentado contra as regras da boa convivência.

O que os advogados não entendem é que os critérios de julgamento ou mesmo os critério de produção nas artes quase nada tem a ver com os bons sentimentos de respeito, piedade e dedicação ao próximo. E também que a arte não visa o convencimento – daí a impossibilidade da tal apologia. A política, a ciência e o direito são que visam tal intento. A arte propõe possibilidades de experiência, sensações, sentimentos que, por sua vez, podem ou não deflagrar crítica e novas formas de percepção e compreensão acerca de nosso mundo e de nossa situação.

Os advogados da OAB querem proteger as consciências indefesas dos pueris e tolos cidadãos, os quais, assim pensam os advogados, não gozam de discernimento suficiente e se deixam impressionar e se influenciar por qualquer coisa. Tratam-nos como crianças e idiotas, que necessitam ser tutelados por algum tipo de referência paterna que lhes inculquem o senso de discernimento entre o bem o mal, o certo e o errado, o lícito e o ílicito, o imoral e o moral. O Pai é a lei. Mais do que os quadros de Gil Vicente o que verdadeiramente violenta às consciência é essa vontade de tutela.

Gil Vicente quer o contrário; quer atacar às consciências, agitá-las, arrancá-las de sua letargia, jogar em suas caras a sua subserviência irrefletida. Quantos não queriam, por algum momento, estar ali de arma em riste apontada contra algum daqueles “líderes”? A arte pode fazer isso; dar consistência, relevo, cor e forma à desejos, sentimentos excêntricos e forças compulsivas que de outro modo ficariam soterrados em nosso inconsciente, sufucados pelo princípio de realidade. Ela recoloca em cena os desejos humanos em sua nudez mais crua, não para o artista mas para o público, a comunidade. Eis aí seu aspecto de ritual. O direito interdita. A arte sublima.

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