sábado, 2 de outubro de 2010

Mickey Mouse, por Walter Benjamin




Abaixo, um fragmento escrito pelo filósofo alemão Walter Benjamin com o qual trombei navegando pela net. Apesar de breve, em cada linha podemos perceber a agitação dos principais traços do pensamento de Benjamin e de sua crítica à modernidade como aniquilamento da experiência. Um aniquilamento por causa das guerras, dos massacres, da alienação pelas máquinas? Não. A experiencia foi destruída pela naturalização do cotidiano; a invasão dos objetos, de imagens, de todo tipo de fragmento e pequenez que enreda o homem em relações onde tudo tem uma equivalência, preso a uma infinidade de afazeres, numa rotina ignóbil de pequenas obrigações que lhe expropria o tempo, a sensibilidade e o sentido acerca da importância de coisas, daquilo que por valor e intensidade deve ser comunicado, traduzido em experiência pelo relato, pela narração. Mas deixemos a palavra com a pena de Benjamin...



Mickey Mouse
por Walter Benjamin


(Fragmento escrito em 1931; não publicado durante a vida de Benjamin. Tradução de Pádua Fernandes)


De uma conversa com [Gustav] Glück e [Kurt] Weill. - Relações de propriedade nos filmes de Mickey Mouse: aqui aparece pela primeira vez que alguém pode ser roubado de seu próprio braço, sim, de seu próprio corpo

O percurso de um documento em uma repartição tem mais semelhança com um dos que Mickey Mouse percorre do que com o dos maratonistas.

Nestes filmes a humanidade prepara-se para sobreviver à civilização.

Mickey Mouse demonstra que a criatura ainda pode subsistir mesmo quando toda semelhança com o homem lhe foi retirada. Ele rompe com a hierarquia das criaturas concebida com fundamento no humano.

Estes filmes desautorizam, da maneira mais radical, a experiência. Não é compensador em um tal mundo ter experiências.

Semelhança com os contos de fada. Nunca desde esses contos os fenômenos mais vitais e importantes foram vividos de forma tão não simbólica e sem atmosfera. O incomensurável contraste com Maeterlink e com Mary Wigman. Todos os filmes de Mickey Mouse têm como motivo sair para aprender o medo.

Portanto, não a “mecanização”, não a “fórmula”, não um “mal-entendido” são a base do tremendo sucesso destes filmes, e sim o fato de que o público neles reconhece sua própria vida.



Fonte: http://culturaebarbarie.org/sopro/verbetes/mickeymouse.html

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