Parece que a fantástica tese acerca da necessidade do golpe de 64 como uma prevenção diante da eminente ameaça comunista que, supostamente, rondara o Brasil à época, ainda encontra, nos altos escalões do poder, seus fiéis tributários. O mais recente é o ministro do STF, Marcos Aurélio, que em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar – veja aqui a entrevista – proferiu as seguintes palavras com respeito à instalação da ditadura militar de 1964:
“Um mal necessário, tendo em conta o que se avizinhava. Teríamos de esperar para ver [uma possível ditadura comunista] e foi melhor não esperar.”.
Triste e preocupante declaração, pois, em tese, um jurista é aquele que mais do que qualquer um deve zelar sobre a continuidade do Estado de direito e da lei. Declarações como essa, aliado à firme tendência de muitos segmentos em proteger os protagonistas e demais agentes da ditadura, exprimem claramente que ainda não ocorreu o devido e necessário colapso do regime autoritário no Brasil.
Os componentes autoritários de 64 ainda persistem, não como ecos de um fantasma mas como uma realidade extremamente tangível. Permanecem impregnados nas mentes de muitos brasileiros que, de quando em quando, mobilizam argumentos estereotipados e clichês, dirigidos, sobretudo, às classes populares, quando se trata de justificar ou aprovar condutas violentas e abusivas contra os “transgressores da ordem e da propriedade” ou medidas de recrudescimento das leis como forma de combate à criminalidade, à violência urbana, às drogas, etc. Permanecem harmonicamente entrelaçados, como atesta o cotidiano de qualquer periferia de uma grande cidade, com as práticas abusivas e arbitrárias das instituições de ordem e seus agentes: dos abusos de poder e de autoridade dos policiais e dos funcionários das instituições de reclusão ao comportamento insensível e irresponsável de juízes, secretários e gestores de segurança.
Pois bem, amigos leitores, deparar-se com esse tipo de declaração do ministro Marcos Aurélio não é apenas algo diante do qual devemos, erguendo nossas razoáveis e comedidas vozes, pronunciar um cômodo “lamentável”. Não, pois ela diz algo de relevante sobre nossa situação atual e, principalmente, sobre a urgência de lidarmos com nosso passado recente e enfrentarmos alguns fatos dos “anos de chumbo”. Não somente com o justo ímpeto de acertamos as contas com as infrações e as arbitrariedades cometidas, mas, sobretudo, para falar como Foucault, para “fazer a história do presente”. E, assim, intensificar e acelerar o processo de consolidação de nossa democracia, em claro e franco contraponto com o paradigma minimalista e conservador que marcou o período de transição democrática no Brasil, o qual vige ainda hoje, como testemunha as falas daqueles que defendem – até mesmo Fernando Gabeira a propósito de algumas diretrizes do PNDH III - que certo temas devem ser “congelados” no tocante ao tratamento e avaliação pública e institucional.
Alyson Thiago F. Freire
Ótimo post! Contundente e direto. A adesão a uma visão consoladora da ditadura possui mais força do que muitos imaginam. Está mais do que na hora de levá-la mais a sério.
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