sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sobre a liberdade de imprensa e seus inconvenientes


Um dos temas mais recorrentes e típicos das modernas sociedades democráticas é o da liberdade de imprensa. Em seu nome, aturamos uma série de sandices e nulidades diárias; atentados à inteligência, espetáculos de histeria, fraseologias preconceituosas, explorações torpes da miséria e ignorância alheia, etc.. A liberdade de imprensa é uma impertinência, mas há de se saber conviver com ela e, sobretudo, de saber defendê-la. Por tais circunstâncias que, volta e meia, ela desponta no âmbito da opinião pública com seu peculiar vigor. Ao seu redor, cercam-se distintos interesses ideológicos e palavras de ordem, de maneira que ela é chacoalhada para todos os lados do espectro político. Os mais à direita tomam-na como uma garantia indispensável à democracia, e que, por isso, assim dizem, deve ser protegida e mantida imaculada da interferência impura do Estado. Os mais à esquerda, por sua vez, exclamam por mais responsabilidade, imparcialidade, pluralismo e compromisso com a objetividade e a qualidade.

Na maioria das vezes, no meio desse burburinho de interesses políticos, financeiros e ideológicos, nós, cidadãos democráticos, ficamos um tanto quanto desorientados acerca da validade e do real conteúdo e finalidade desses posicionamentos. E, naturalmente, o que deveria ser transparente, torna-se obscuro ou simplesmente cansativo. Portanto, sejamos mais precisos com respeito a alguns pontos acerca da liberdade de imprensa e sua relação com a sociedade brasileira.

Em primeiro lugar, penso que a liberdade de imprensa, defendida com tanto ardor e convicção pela direita brasileira, é, a meu ver, excessiva e irrefletidamente superestimada. Trata-se, de fato, de uma conquista importante e imprescindível. Contudo, na maior parte das sociedades, ela foi uma conquista sem maiores custos se posta ao lado de outras, tais como os direitos trabalhistas, que foram conquistados, em todo mundo, graça a um volume de energia social e sangue incomparáveis. Com isso, de modo algum quero sustentar sua abolição por conta de sua banal e convencional relevância,  nem também desmerecer e desconsiderar o papel político e cultural inconteste que jornalistas e escritores exerceram, no uso da imprensa, em favor da justiça e da democracia contra regimes autoritários. Muito pelo contrário. A provocação e ironia aqui visam, mais do que suprimir a liberdade de imprensa, lhe retirar a auréola de santidade que lhe foi posta; pois se por um lado a liberdade de imprensa serviu para articular e encorpar a luta pela liberdade e justiça, por outro, ela serviu também para propagandear inverdades, preconceitos e boatos que arruinaram vidas e países, ou simplesmente para alavancar as taxas de lucros de algum pequeno grupo de investidores e empresários em total detrimento do esclarecimento da maior parte da população.

De um modo geral, a imprensa, ou melhor, a dita “grande mídia”, no Brasil, não adota a mesma postura crítica, com que costuma combater às iniciativas por parte do Estado em promover marcos regulatórios sobre a comunicação social, quando se trata de criticar suas próprias contradições internas – que bem poderíamos chamar dos verdadeiros ataques à liberdade de expressão. Pensemos no grau de influência, ou melhor, de controle na linha editorial que determinados grupos ideológicos, comprometidos com os oligopólios midiáticos, exercem; ou ainda, o empobrecimento da pluralidade e da consistência e do potencial educativo e cultural dos conteúdos informativos por conta de uma política comunicacional voltada mais ao entretenimento, ao sensacionalismo e à velocidade dos lucros do que com a qualidade, a objetividade e a mínima reflexão maturada. O que dizer do fato deplorável de que a revista de maior circulação do Brasil, ou melhor, o Grupo Abril, do qual a Veja faz parte, possuir como o maior detentor de suas ações, uma empresa que apoiou e contribuiu abertamente o regime de Apartheid na África do sul? Ora, quem quer que se valha de tais métodos e relações espúrias não está tão preocupado com a proteção da chamada liberdade de expressão, quanto está com a defesa de determinados interesses financeiros e políticos.

Na verdade, a liberdade de imprensa que de fato importa à “grande mídia” mais não é do que a liberdade de expressão dos grupos ideológicos e econômicos que a financiam. Daí, concluímos duas coisas: primeiro, que a liberdade de expressão, nesses espaços, somente é usufruída por aqueles sujeitos (intelectuais, artistas, jornalistas) que confirmam os conceitos e os consensos pré-estabelecidos a serem difundidos e defendidos sob o disfarce de “opinião pública”, de verdade, de justiça etc.. Deriva disso a sensação de repetição que caracteriza as abordagens da “grande mídia”. Segundo, que a defesa da liberdade de imprensa é, na verdade, pura demagogia, pois o objeto real de preocupação e defesa consiste na manutenção do monopólio dos meios de comunicação nas mãos de alguns poucos grupos familiares e empresariais.

Imaginem agora vocês, o impacto, que essas, e tantos outras práticas comuns na “grande mídia”, não fazem à vida política e cultural da sociedade. Se há no quadro que esbocei alguma plausibilidade e razoabilidade mínima, será que não deveríamos prestar mais atenção e levar mais a sério as reivindicações por uma maior regulação na comunicação social, no sentido de sua maior abertura, democratização e descentralização? Afinal de contas, quantos de nós não aceitamos como correto e indispensável a regulação do Estado contra a fome capitalista e seu avanço no meio ambiente, então, por que não seria igualmente correto e indispensável pensar o mesmo em relação à produção e atividade da imprensa?

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Os argumentos do preconceito e as políticas de reconhecimento



Nas primeiras semanas de 2011, os odiosos sentimentos do preconceito, que a despeito de sua presença disfarçada e não-confessada na sociedade brasileira, lhe é uma das mais profundas e arraigadas marcas, transmutaram-se em lamentáveis atos; as agressões contra homossexuais na Av. paulista e as ameaças contra a Escola de Samba cujo enredo deste ano homenageia o Nordeste e os nordestinos.

Como dissemos acima, o preconceito, em suas diversas manifestações, desfruta, na sociedade brasileira, de um considerável acúmulo histórico urdido sob a forma do sofrimento, da exclusão, do esquecimento e da subordinação inscritos nos corpos e no cotidiano de muitas pessoas. Porém, tal acúmulo empírico de sofrimento social e desestima moral, registrado da maneira mais desonrosa possível, parece não ser suficiente, segundo a estreita mentalidade de alguns cérebros, estúpidos ou simplesmente mal-intencionados, para suscitar certa receptividade quanto à urgência e necessidade de uma avaliação e mudança nas estruturas normativas de nossa sociedade presente.

Desse modo, iniciativas e projetos de lei como PNDH-III ou o PLC 122 (chamado de AI-5 “gay” pelos detratores), que buscam promover um questionamento e uma modificação dos horizontes de nossas noções morais, além de proteger e assegurar as condições para o devido e legítimo reconhecimento dentro da sociedade de agrupamentos de pessoas histórica e socialmente desprestigiados e lesados pelo desrespeito, preconceito e pela estigmatização sistemática, são constantemente, atacados, desvirtuados, aviltados e desclassificados, tanto na mídia hegemônica como no cotidiano das conversas. Para tal, os conservadores costumam recorrer aos mais esdrúxulos malabarismos retóricos, pseudo-reflexivos, que mais não fazem do que confirmar a urgência de tais projetos e a presença bruta e revoltante do preconceito, da discriminação no Brasil e, obviamente, da ignorância contagiosa.

Um dos mais comuns e prediletos argumentos dos diletantes conservadores, como Reinaldo Azevedo, em sua arte no contorcionismo retórico, é o pretenso argumento segundo o qual tais projetos ou leis gerariam ou isolacionismo dos ditos grupos discriminados ou uma espécie de preconceito às avessas. Ou seja, denunciam uma suposta contradição de acordo com a qual o projeto que tencionaria combater o preconceito acabaria, nos moldes pelos quais está formulado, por gerar ainda mais preconceito ao formalizar e alimentar antagonismos e acirramentos. O caso das cotas nas Universidades é contundente nesse sentido. Como característico do pensamento conservador, seus defensores querem, com esse argumento, manter os antagonismos, acirramentos, as relações de dominação e de assimetria velados, não-tematizados, mantê-las às escondidas.

Outro dos argumentos prediletos diz respeito à propalada liberdade de expressão, musa venerada das sociedades liberais e cuja fragilidade faz de sua defesa e proteção, principalmente por parte da imprensa, assemelhar-se ao empenho com que os esmerados pais e irmãos mais velhos dedicavam à virgindade de suas filhas e irmãs nos anos 50. Assim, os ditos conservadores esperneiam e alardeiam sobre o “autoritarismo” de tais leis e iniciativas que, segundo seu entendimento, objetivam controlar e cercear o direito de “crítica”, de expressão, de discordância e de manifestação de valores e opiniões contrárias a determinadas práticas, hábitos ou modos de vida. O curioso é que geralmente os mesmos que esbravejam indignados contra o suposto autoritarismo latente em projetos como a Lei contra a Homofobia, esses “defensores da liberdade esclarecida”, também clamam, em tempos em tempos, pela necessidade do Estado possuir um poder de vida e de morte como medida para coibir os crimes violentos.
Na defesa do indefensável, muitos são os malabarismos argumentativos, que embora rasos, gozam de poderosa e fácil entrada no mundo da opinião corrente. O que me espanta e intriga é o que subjaz como comum nesses descontentamentos ressentidos disfarçados de incômodos “democráticos”; uma espécie de reivindicação do direito ao ódio legitimado através da condição de distinção social pela desqualificação do outro.

De algum modo, certas classes de pessoas acreditam, como se fosse um tipo de convicção interior, que elas possuem o direito de odiar, ou de sentirem-se superiores, a outros tipos de pessoas, pois em grande medida tal ódio à diferença constitui aquilo mesmo que elas pensam ser sua própria singularidade. Elas se imaginam detentoras exclusivas de determinadas qualidades e atributos humanos socialmente valorizados, como autonomia, dignidade e liberdade, caráter, inteligência, êxito etc..

Assim, toda iniciativa de mudança que vise atingir as estruturas normativas da sociedade a fim de alargar o espectro social, étnico e de gênero quanto ao reconhecimento moral sofre inelutavelmente infindos ataques, pois o que está em jogo é a manutenção de um arraigado sentimento de distinção cuja satisfação é desfrutada mediante o olhar de medição que comprove a distância social e a superioridade moral entre determinados “tipos” de pessoas – héteros e gays, paulistas e nordestinos. O argumento do preconceito é a tentativa conservadora de preservar intacto tal sentimento assim como as condições sociais, normativas, econômicas e políticas de distinção e superioridade através da crença no monopólio de certos atributos e qualidades humanas. Uma vez desconstruída essa crença, com o auxílio da crítica e, sobretudo, das injunções normativas no plano legal e da moral social, emergem as condições imprescindíveis para o estabelecimento de uma igualdade e reconhecimento mútuo e compartilhado para tratar uma pessoa com o mesmo respeito e igual consideração.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Os perigos do casamento entre o "falso moralismo e a política"



Todos já devem estar cansados e entediados do rumo fundamentalista e da ladainha beata pelo qual o debate eleitoral enveredou nos últimos dias. A discussão de temas polêmicos, como o aborto, por exemplo, é instrumentalizada de uma forma tão espúria, rasa e cheia de dedos, que a superficialidade e o interesse eleitoral dos candidatos tornam-se triste e exageradamente claros. Tudo é demasiado falso, demasiado forçado, demasiado hipócrita. Mas isso não é o pior.

Mesmo essa disputa para ver quem é o “fiel mais reto” aos olhos Deus (Povo) sendo uma chatice repetitiva e que, momentaneamente, vem fazendo do Brasil uma espécie de Estado Confessional, convém insistir e prestar um pouco mais de atenção ao que está ocorrendo, pois, como bem alertou o prof. Edmilson em seu blog, ela pode nos trazer conseqüências nefastas. Destaco duas:

A primeira das conseqüências incide diretamente no reforço de nossa imaturidade política. Em vez de pautar-se pelo aprendizado de determinadas disposições e posturas, tais como o distanciamento face às convicções privadas ou, pelo menos, de saber colocar estas entre parênteses quando se trata de questões públicas, as campanhas e debates eleitorais, neste 2º turno, caminham num sentido inverso. Portanto, os candidatos prestam um desserviço à sociedade e a eles próprios; eles alimentam a miséria e a imaturidade política da sociedade.

A segunda conseqüência nefasta desse  casamento, ou contrato, entre falso moralismo e política  diz respeito a produção, no seio da sociedade, dos partidos e da imprensa em geral, de uma cultura política inquisitorial de perseguição e difamação.

Dessa maneira, as competências, idéias e projetos que deveriam constituir o coeficiente real de avaliação dos políticos são solapados por uma vontade de saber moralista e pastoral que esquadrinha as opiniões, as crenças pessoais, os deslizes e a biografia dos candidatos. Uma cultura de escrutínio político à procura das pequenas faltas, dos pecados de opinião, dos erros familiares, dos maus e perigosos amigos, tudo isso que a Veja e outros veículos do PIG estão fazendo nas últimas semanas.

A lógica da suspeita e da difamação interesseira, o clima de patrulhamento moral e o ímpeto de caça às bruxas em nada contribuem para uma sociedade democrática coesa, madura e tolerante quanto às diferenças. Pelo contrário, não esqueçamos que as práticas mencionadas acima são típicas de regimes de exceção. Elas foram e continuam ser as principais armas utilizadas para estigmatizar e perseguir minorias. O desespero por votos não vale os riscos que estamos alimentando.



quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Quem tem medo dos direitos gays?


Bem, acredito que o tema deveria estar em pauta, principalmente no debate presidencial… Porém, enquanto os políticos não tem coragem de levar o tema ao debate público, fiquemos com ótima análise do Prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, Alípio de Sousa Filho sobre a questão dos direitos gays. Enfim, é isso. Vamo que vamo.

Não é novidade e igualmente não é estranho que conservadores e reacionários se manifestem todas as vezes que transformações sociais e políticas, jamais pensadas por eles, alterem leis, instituições e convenções sociais e morais que acreditavam imutáveis. Atualmente, na sociedade brasileira, torna-se possível verificar a reação conservadora a propósito de importantes modificações em âmbitos diversos, mas talvez nenhuma outra mudança incomode tanto quanto a materializada pelo avanço dos direitos gays e por políticas públicas voltadas a lésbicas, gays e travestis e transexuais implementados pelas diversas esferas do poder público no país.

A irritação conservadora leva a que os cães de guarda da moral rabugenta (fonte de opressões, discriminações e violências praticadas contra muitos) ataquem governantes, parlamentares, militantes, cientistas e intelectuais por suas decisões, iniciativas e posicionamentos críticos em defesa de grandes parcelas da sociedade que permanecem discriminadas e excluídas: entre outros, negros, homossexuais, travestis, transexuais, indígenas e mulheres.

No tocante especificamente à questão gay, temos uma verdadeira cruzada moral dos conservadores contra diversas iniciativas importantes do governo federal, em programas de ministérios, secretarias, contra iniciativas de governos estaduais, de deputados e senadores que, entre outros programas e projetos de lei, criaram o Brasil Sem Homofobia, medidas administrativas que reconhecem os direitos gays ou propõem, em projetos de legislação, o estatuto de casamento para as uniões homossexuais ou a tipificação do crime de homofobia. Visando instalar o pânico moral, os conservadores, em seu fundamentalismo, pretendendo subordinar o Estado, o Direito e a Lei a crenças religiosas e convicções morais particulares, atacam essas iniciativas, qualificando-as de “escândalo”, “decadência”, “tentativas de institucionalização de aberrações sexuais”, “legitimação de condutas indecentes”, entre outras pérolas do discurso ideológico-conservador, que, de tão atrasado, faz rir. Ora, se há que se falar de decadência, que esta seja entendida como a reação conservadora a transformações que colocarão o Brasil ao lado das nações civilizadas do mundo que já instituíram os direitos gays: Espanha, França, Alemanha, Suécia, Holanda, entre outros. A sociedade brasileira não pode, por decadência de seus conservadores rabugentos, ficar ao lado de nações como Malauí, Uganda e Irã que praticam atrocidades contra homossexuais, delas como prisão e pena de morte, por pretendida defesa da moral, da decência e de valores religiosos. E por qual razão há que se admitir valores religiosos (sempre particulares, são diversas as crenças religiosas, e, na sociedade, há os que nenhuma religião professam!) para definições da lei, do direito e para conceitos e práticas da sexualidade? Por que cargas d’água terá o indivíduo (qualquer ele) que ver seus direitos (em todos os âmbitos) subtraídos em razão de crença religiosa alheia?

Por fim, desesperados, reconhecendo que não haverá retrocesso, os conservadores alardeiam sua histeria, proclamando que gays, lésbicas e travestis, com apoio de governos, políticos e intelectuais, instituirão cenas “aberrantes” de carinhos gays em público e ainda levarão à prisão todos aqueles que ousarem hostilizá-los por isso. Que querem os conservadores: o direito de insultar, agredir, discriminar, violentar (como sempre fizeram até aqui!) gays, lésbicas, travestis e transexuais, impedindo-os de exercerem livremente seus desejos e afetos, publicamente, como podem fazer aqueles a quem certa moral dominante chama de heterossexuais e entrega a estes todos os direitos? Não!, fiquem certos, senhores conservadores, daqui por diante, não será mais assim: leis e novas mentalidades, no Brasil e em diversas partes do mundo, impedirão a discriminação homofóbica e assegurarão liberdades e direitos devidos aos homossexuais, travestis e transexuais!

Publicado originalmente na Tribuna do Norte e pescado no Carta Potiguar.



sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Censura!


A psicanalista, Maria Rita Kehl, foi demitida pelo jornal O Estado de S. Paulo, depois de escrever um pequeno artigo - leia-o aqui - sobre a "desqualificação" dos votos dos pobres. Desqualificação essa posta em marcha e agitada pela própria impresa e, sobretudo, pelas chamadas "correntes" de email. O curioso é que essa imprensa, que demite por causa de divergência de opinião, é a mesma que esperneia aos quatros cantos sua suposta condição de ameaça de cerceamento e censura pelo governo Lula. 

Deve ser duro para O Estado de S. Paulo tem que engolir de uma só vez, por um lado, o fato inconteste de que agora "os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor", e que, por isso, votam em causa própria, raciocinam e agem segundo a defesa de seus interesses e, por outro, que intelectuais do porte de Maria Rita Kehl defendam as políticas sociais responsáveis por sua nova situação. A pressão de "baixo pra cima" que os mais pobres e os movimentos sociais exercem contra as elites se tornou, graças ao governo Lula, mais frequente, mais forte e, especialmente, assegurada como legítima e respaldada pelo governo. 

O poder sobre os "corações e as mentes" que a imprensa advoga como sua prerrogativa é cada vez mais questionado.  A ela resta, por meio de ações preconceituosas, autoritárias e falaciosas, tentar rebaixar as iniciativas dos mais pobres, perseguir aqueles que tentam pensar contra os preconceitos vigentes e conturbar e inventar crises para enfraquecer o governo em relação à sociedade.


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Entrevista: Luiz Werneck Vianna: "O PV sai como o novo partido nacional.".


Já que as eleições e o PV ocupam o topo da agenda do momento, então vamos a uma entrevista pelo sempre claro e preciso sociólogo Luiz Werneck Vianna, realizada pelo Instituto Humanitas Unisinos. Confiram!


IHU On-Line – No seu ponto de vista, o segundo turno para a presidência era esperado?

Werneck Vianna – Não, não era esperado. Todas as pesquisas balizavam outra direção e eu não tinha elementos para me contrapor a elas. Havia, sim, uma possibilidade remota, que se concretizou. Vamos ao segundo turno.

IHU On-Line – Quais são as forças políticas que saem fortalecidas e enfraquecidas deste primeiro turno?

Werneck Vianna – O PV foi muito forte, sai como o novo partido nacional. De modo que a tal polarização entre PSDB e PT está afastada. Além do mais, o PMDB está muito forte, com a possibilidade de, caso a Dilma vença, ter a vice-presidência. Então, é falsa a suposição de que teremos dois partidos. Temos um quadro pluripartidário bem estabelecido.

IHU On-Line – Como o senhor caracteriza o tipo de voto que Marina recebeu? O eleitor dela poderá ser conquistado com que tipo de discurso?

Werneck Vianna – Para conquistar o eleitorado do PV, será preciso um discurso de novo tipo. Depois do resultado das eleições, a Marina fez um pronunciamento em que marcou bem que estamos diante de uma política nova no país. E ela está certa quando fala do que chama de “política do século XXI”. Não é à toa que ela foi tão bem recebida especialmente pela juventude. Tem de tudo no voto dela, mas o voto juvenil é muito poderoso.

IHU On-Line – O que demonstra o fraco desempenho do DEM e do PSOL nessa campanha?

Werneck Vianna – Não creio que o PSOL tenha tido um fraco desempenho. Seu candidato a presidente da República teve um bom desempenho, marcou posição. E deu mais um passo para consolidar o PSOL. Ele não se esfarelou de modo algum, tem uma representação qualificada. Quanto ao DEM, será que ele foi extinto tendo ganho dois governos estaduais e uma representação congressual ainda presente, embora menor do que a anterior? Ele está aí, pronto para ressurgir em outros cenários eleitorais. Dilma e Serra eram candidatos muito fortes, tal como ficou claro. O PT ganhou uma expressão no Senado e no Congresso maior do que tinha, com governadores e uma candidata à presidência no segundo turno.
O que fica evidente é que essa campanha foi muito modorrenta, sem emoção, sem controvérsias. Os dois candidatos se parecem muito (Dilma e Serra) e foram também muito pautados pelos marqueteiros. Entre os dois o eleitor terá uma tendência maior em reiterar o voto na Dilma. Tudo vai depender de como a Marina, muito mais do que o PV, vai se situar. O processo está muito em aberto ainda. Qualquer previsão sobre quem ganhará é muito arriscada. O que já se sabia, e que começa a se reafirmar agora com mais força, é que vamos ter um cenário político sem a presença do Lula como maior protagonista. Isso é novo no país. Acredito que a personalidade do candidato importa muito. O Partido Verde não teria essa representação eleitoral não fossem as qualidades pessoais da Marina. Isso importa muito em uma eleição. Não é que ela tenha carisma; ela até tem um pouco. Mas não se trata disso. Ela tinha o que dizer, tinha uma proposta nova. Enquanto que Dilma e Serra são tão parecidos. Eu venho dizendo isso desde as primeiras entrevistas que dei a vocês. São candidatos com perfis semelhantes, dois excelentes administradores, mas que não têm a faísca da política, como tem o Lula e como tem a Marina, conforme se viu agora.

IHU On-Line – O senhor acredita que a política cedeu lugar para a administração? As pessoas hoje preferem votar em bons administradores ao invés de bons políticos?

Werneck Vianna – Não, não. A votação na Marina indica outra tendência. Serra tem uma história política muito poderosa. Foi secretário, deputado, ministro, senador, prefeito, governador. É uma história muito densa e sempre com êxito na administração pública. Dilma tem uma história menos densa, mais curta, mas também com uma trajetória de administradora bem sucedida, por exemplo, aí no Rio Grande do Sul, na Casa Civil e no Ministério de Minas e Energia. No entanto, os dois nessa eleição não conseguiram emocionar. As ruas estavam desertas, ao contrário de outros momentos da vida política brasileira, de outras sucessões presidenciais. Foi quase indiferente. Foi uma sucessão que, até então, transcorre sem uma controvérsia forte, que começa com um candidato da oposição botando no seu programa eleitoral o presidente da República, que é o chefe do partido da situação. Na verdade, Serra quis ganhar se apresentando como mais experiente na administração. Isso não foi suficiente. Chegou ao segundo turno não tanto pelas suas virtudes, mas pela irrupção da Marina.
IHU On-Line – Tiririca fez mais votos para deputado federal do que Plínio para presidente. Qual o significado desse dado e desse tipo de voto em um candidato como o Tiririca?
Werneck Vianna – Foi voto de protesto, de afastamento quanto ao processo eleitoral. O voto no Tiririca é um voto crítico. É como se o eleitor dissesse: “eu não tenho nada com isso, sou obrigado a votar, então escolho um candidato que representa uma nota sarcástica em relação a esse processo eleitoral”.

IHU On-Line – Por que o senhor acha que os programas de governo se tornaram secundários neste pleito?

Werneck Vianna – Porque o tema geral desse pleito foi a continuidade. Continuar os programas é algo que já está subentendido na prática de cada um, que é a necessidade de ter mais programa social, mais segurança e um elenco de questões com as quais os marqueteiros pautaram os candidatos. Qual o projeto de país, que país se quer viver, como se pensa a política, foram discussões que eles não colocaram. Só quem colocou isso foi a Marina. É evidente que ela colocou isso ainda de maneira muito superficial. O que ela entende de fato por democracia sustentável? Ela terá que traduzir isso. E também que política do século XXI é essa que ela alardeia? De qualquer forma ela tem uma semente. O que ela fará com isso vai depender dela em decisão conjunta com seus intelectuais, sendo alguns deles muito qualificados, como Luiz Eduardo Soares e Ricardo Paes de Barros, além de outros muito competentes que se alinharam com ela nessa campanha. Eles precisam, junto dela, decidir o que fazer com esse patrimônio que caiu no colo nessa sucessão. Fazer um partido duradouro, que fique na história política do país ou transformar este num momento fugaz, numa irrupção do tipo Heloísa Helena, em 2006? O PSDB está sem programa. Qual o programa do PT? É o lulismo. E o lulismo sem Lula é muito difícil de se sustentar. Nós continuamos tentando constituir um quadro partidário que acompanhe melhor as tendências modernas da sociedade brasileira. A esquerda está muito atrasada nisso, ainda vivenciando temas do passado. Mas o campo está aberto para a esquerda no país, desde que ela se renove politicamente e vá ao encontro da juventude, dos intelectuais, das questões novas, de uma política fundada na sociedade, na sua vida associativa. Estamos diante de uma paisagem promissora para que a novidade se expresse. O indicativo disso? A Marina. É claro que além dela há outras possibilidades. Cadê o tema da esquerda que tinha como questão principal a democracia política como valor universal? Isso sumiu. O PSOL não expressa isso, o PSTU passa longe disso. Só resta saber se esse campo aberto será ocupado.

 IHU On-Line – Como o senhor vê a participação da intelectualidade e dos movimentos sociais no debate político nacional?

Werneck Vianna – Os intelectuais estão meio à margem. Muito longe da expressão que tiveram em cenários anteriores. Foram dominados por uma agenda particular nas universidades, nessas agências de fomento à pesquisa (Capes, CNPq), e estão muito vinculados às agências estatais. Não sei se isso volta, mas se afastaram do mundo da opinião. Os movimentos sociais se deixaram estatatizar. Uma parte das ONGs que estão aí hoje tem vínculo com o Estado. No entanto, um fenômeno importante de manifestação da sociedade civil foi a Lei da Ficha Limpa. Mas estamos com uma sociedade civil muito desanimada. A política está saindo do nosso mundo. E ela vai voltar. Essas eleições são um indicador de que ela tem possibilidades de voltar.

Fonte: IHU

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Marina ou excesso de algumas análises



O segundo turno está aí. Muitos, como o autor deste blog, não o queriam, mas eleição e democracia - ainda bem – tem dessas coisas. Como era de se esperar, "onda verde" e "onda cristã" convergiram. O que não acho lá muito correto e sensato são as afirmações exageradas de que Marina ou a “magricela verde roubou” os votos de Dilma, impedindo que esta fosse eleita presidente do Brasil logo no primeiro turno, e, pior ainda, que ela e seus eleitores compactuaram com a direita, levando Serra ao segundo turno. Essas afirmações são totalmente descabidas e ofensivas, pois concebem os eleitores de Marina como uns idiotas incapazes de elaborar um juízo político necessário à identificação, segundo sua avaliação e reflexividade, com propostas, idéias ou o que quer que seja para eles considerado como relevante. Além do mais, tira a responsabilidade e a necessidade de uma auto-crítica das costas do PT.

Reduzir o desempenho de Marina nas eleições à ingenuidade dos eleitores “amantes da natureza”, à ignorância dos evangélicos ou, pior ainda, ao um anti-Dilmismo e ao um anti-petismo de ressentidos da pequena-burguesia, não é apenas um erro de avaliação e análise de grotesco generalismo, mas uma violência. Uma violência que nega ao outro a capacidade e o direito de refletir, de escolher seus candidatos com relativa autonomia e sob critérios, racionais e/ou irracionais, admitidos como relevantes. A desqualificação apenas encerra o debate numa trocas de estereótipos e pechas; veda a nós mesmos a possibilidade de entender os argumentos e as razões do outro para, aí sim, combatê-las. Para compreender o crescimento de Marina, convém lhe dá o devido crédito, mas, sobretudo, levar a sério as razões e os sentidos que conduziram tantos a optar por sua candidatura.

Eu tenho lá minhas pré-noções e críticas sobre o que julgo ser, de um ponto de vista típico-ideal, os eleitores de Marina, mas não é por conta disso que me esquecerei que a política envolve necessariamente um trabalho de imaginação e de reflexão, um esforço que implica, entre outras coisas, uma projeção de si mesmo sobre os outros, um processo de identificação que abrange as mais diversas disposições e sentimentos do sujeito e sua biografia. Não é por votar em Dilma e defender o projeto político-social do PT que vou adotar uma atitude de auto-complacência com relação a um tipo de violência que imputa sobre os outros desqualificações e pré-noções baseadas nas minhas crenças e valores ou por causa das diferenças e desacordo em relação a estas.

Esse tipo de “pensamento” é preocupante na medida em que busca conceber e definir o outro em termos unicamente negativos e segundo nossas convicções, alçadas ao status de medida final de toda avaliação. Desse modo, o processo é contaminado com desqualificações morais desnecessárias, hierarquias, convicções identitárias, dicotomizações, etc.. O voto e as eleições são reduzidos a uma questão de escolher o vencedor ou de optar entre lados opostos ao invés de ser a manifestação de vontades, de desejos e de idéias.

Além do mais, transformar o processo eleitoral numa disputa maniqueísta entre o bem e o mal, entre aqueles que representam e sabem qual é o melhor para o Brasil contra os ingênuos e os ignóbeis, que mais não fazem do que “atrapalhar o processo”, não me parece que seja saudável para uma democracia nem tampouco para o PT, que por meio desse discursinho das bases mascara suas falhas na campanha em convencer e cativar o eleitorado, bem como por não ter politizado e acirrardo o debate substancialmente. Afinal de contas, foi PT que, ao cair no jogo da oposição, conduziu os debates como uma disputa entre curriculos pessoais e promessas.

Nesse sentido, o melhor é agradecer, pois nem Marina nem o PV souberam aproveitar as brechas, que caíram em seu colo, nas últimas semanas do processo eleitoral, nem os erros do PT e a situação da direita. Imaginem só se as eleições fossem daqui a três semanas e se Marina tivesse uma formação política mais consistente, mais variada, mais técnica? Acorda PT!

As diferenças devem ser postas, na esfera pública, como questões endereçadas ao debate e à avaliação crítica e racional de todos, como uma forma de agitar as inteligências, como um treino para o aprendizado político em franco respeito à pluralidade de vozes e convicções. Uma democracia não pode se sustentar e se encarar como tal sem o reconhecimento a essas questões.