Embora as atenções estejam voltadas à Copa, é imprescindível conter um pouco a euforia e atentar-se ao abuso ideológico sutil, rasteiro, que se insinua aos nossos olhos e entendimento sem, entretanto, nos apercebermos de tal. As duas últimas entrevistas da revista Veja, as ditas páginas amarelas, são exemplares das artimanhas aparentemente inocentes da revista na construção das imagens dos concorrentes à eleição presidencial de outubro.
Enquanto a imagem de Serra salta das páginas sob um fundo de uma biblioteca, repleta de livros, em uma imagem lúcida e cristalina, com óculos à mão num olhar que incide direta e ternamente ao leitor, Dilma, por sua vez, é exibida diante de um fundo escuro, vazio, sob uma meia-luz que pende sobre seu rosto, ocultando parte de sua face e conferindo ao seu olhar um sentido vago, perdido, desorientado. Seu sorriso é um sorriso de cínicos em um rosto assombreado, como que escondesse parte do conteúdo real de suas intenções.
A imagem do candidato do PSDB que estampa as páginas amarelas da Veja busca evocar e inspirar no leitor disposições e sentimentos que propiciem a identificação imediata de aspectos indispensáveis para a devida confiança no pretendente à presidência. Serra, em sua figuração na revista, evoca a maturidade, a seriedade, o autocontrole, a naturalidade, a estabilidade emocional, a auto-realização. Sua personalidade, virtudes e habilidades invadem a imagem. Não é a fotografia que captura algo de Serra mas este que, de forma à vontade, permite deixar ver despretensiosamente suas qualidades. Vemos um Serra que se compraz, com naturalidade, com o sentimento de sua própria importância e distinção gabaritada.
A candidata do PT vem à mostra nas páginas amarelas da revista em uma imagem desprovida de profundidade, de fato, Dilma emerge numa imagem desprovida de quaisquer atributos. Há apenas uma enorme mancha, um fundo escuro alusivo ao seu passado “guerrilheiro”, passado obscuro. Não há sequer Lula nem nada que lembre sua inevitável ligação com um projeto de governo cujos feitos inéditos foram mais exitosos do que qualquer outro. A intenção é fazer ver Dilma sozinha, como uma mônada flutuando sobre um abismo escuro, isolada de qualquer referência à Lula e ao sucesso do governo vigente. Trata-se de fazer ver quem é o indivíduo Dilma bem ao gosto liberal, descolado de suas relações de solidariedade, pertencimento e sua inscrição num projeto mais amplo. A única evocação em sua estampa é aquela que faz projetar sobre seu rosto a dubiedade, o mascaramento, o sorriso sardônico que convoca o leitor a sondar Dilma naquilo que ela parece não querer mostrar mas que tampouco consegue esconder.
A mentira é imoral não porque viola a verdade, mas por aquilo que, pretendendo ocultar, revela. Portanto, veja, pense e lastime.
Essas artimanhas são a cara da Veja. Não é de hoje que essa revista se vale de seus artificios sutis para manipular os brasileiros.
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