Por Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ.
Minha amiga, professora Célia Tranto, carrega um volume de trabalho que, segundo diz, a tira da possibilidade de ler o que deseja. Ela não é exceção. Em geral, o professor universitário, na universidade pública, apesar de ter suas horas de aula fixadas de modo razoável e seu tempo de pesquisa satisfatoriamente cedido, diz que está assoberbado de trabalho. Acredito que os professores universitários realmente estão sob pressão, mas temo que estejam enganados ao acreditarem que essa realidade é imutável ou que se trata de uma realidade alheia ao que podem decidir.
A maior parte dos professores, para explicar esse “seqüestro” levado adiante pelo trabalho, repete um discurso que é arrumado demais, que os satisfaz, mas que vejo como uma justificativa não tão boa quanto lhes parece. Falam sempre em “globalização”, “educação como mercadoria”, “produtividade” e, alguns, enchem a boca ao usar o termo “neoliberalismo” – essa palavra que tanto a esquerda quanto a direita adora, nem sempre sabendo do que se trata. Não sei bem se essas palavras que viraram corriqueiras no mexe-mexe da bochecha de professores e que, agora, já aparecem nas provas de alunos, são realmente levadas a sério pelos que as pronunciam. Muitas vezes, chego a pensar que elas já estão sendo ditas mecanicamente. Pois, se cada professor que se diz assoberbado de atividades refletisse sobre o que faz na universidade, veria que as demandas que assume não são tão obrigatórias quanto ele mesmo afirma que são. Uma boa parte do que fazem é assumida por deliberação livre e, não raro – e isso é que é o problema – em detrimento do cuidado que poderiam ter com os alunos da graduação.
É claro que um professor que está em formação, fazendo o seu mestrado ou doutorado, ou mesmo um jovem doutor, tende a se envolver em muitas atividades. Mas, numa boa parte das universidades públicas, há um contingente de professores já com doutorado, ou mesmo professores livres-docentes e titulares, ou seja, veteranos que, enfim, poderiam estar em maior convivência com os estudantes do que realmente estão. Não digo em sala de aula ou bancas. Digo no convívio mesmo, na troca efetiva de experiências. No entanto, assumem atividades administrativas variadas ou então se envolvem em projetos nem sempre tão úteis a eles mesmos ou à cultura quanto imaginam ou tentam justificar para si mesmos. A “cultura da agitação” se sobrepõe à “cultura da produtividade”, embora a responsabilidade pela “falta de tempo” seja jogada nas costas da segunda, é claro.
Ninguém tem tempo. Todos estão muito ocupados. Há congressos, viagens internacionais e nacionais, aulas de pós-graduação sabe-se lá onde e, enfim, todo tipo de reunião e cargos e comissões. Quanto mais coisa aparece, mais coisas assumem. Quando não aparece, inventam. Dizem que “não houve como dizer não”. Será que eles realmente acreditam que não podiam dizer não ou eles não responderam com a negativa com medo de serem esquecidos quando a oferta for compensadora? Ou eles simplesmente não disseram não porque o que lhes foi oferecido, apesar de não ser bom, lhes dá status que, pensam eles, irá abrir porta para mais status?
Tudo isso tem um preço. Quem paga mais são os alunos da graduação. Esses alunos são vistos como incômodo e, para que não perturbem os seus professores por meio de possíveis “pensamentos livres”, são abarrotados de trabalhos “para entregar”. Isso coloca tais garotos impedidos da vivência universitária e até mesmo sem o tempo necessário para o estudo. Ao final de quatro anos, os professores estão esgotados, os alunos mal formados. A dita falta de tempo fez tudo correr a favor da “pedagogia bancária”, obedecida até mesmo pelos freireanos de carteirinha ou, talvez, muito mais por eles!
Quando colocados diante do prejuízo causado por essa situação toda, dizem os professores que caso não cumpram tudo “segundo esse figurino” não conseguirão a “promoção funcional”, tão necessária para o sustento de seus rebentos – mesmos quando estes já são homens feitos e mulheres bem colocadas profissionalmente. Será?
Não estou dizendo que os professores se engajam em uma vida marionetada exclusivamente por culpa própria. Concedo à política educacional do Brasil atual, para o ensino superior, a responsabilidade que ela tem. Sei, por exemplo, que Fernando Haddad está errado ao dar bolsa para professores para que eles cuidem da “educação continuada” para professores da rede escolar de ensino básico – falei isso pessoalmente a ele. O correto seria ampliar as licenciaturas, fazer o ensino público superior de qualidade crescer (e não o PROUNI) e, então formar bons professores. Para manter esses professores, então bem formados, no ensino básico, o que é necessário é um aumento salarial digno. Todo governo que entra não pensa no médio prazo, então joga a universidade na tarefa de reformar os já formados. É claro que uma política assim – que é uma constante em nosso país – tira o tempo do professor universitário. Há uma série de outras coisas desse tipo que tira o tempo do professor universitário. Mas, caso sejamos sinceros conosco mesmo, isso não é o determinante de nossa “falta de tempo”.
Nossa falta de tempo ainda é resultado, ao menos no ensino superior público, de escolhas e decisões que nós tomamos. São antes decisões nossas que coisas que nos caem na cabeça. Nós damos valor a cargos. Damos valor a títulos e elogios que nos parecem canalizados a tais cargos. Procuramos nos fazer notar por quem manda ou parece que manda e, ao fim, acabamos apenas deixando que o “seqüestro” ocorra. Sentimos que se não estamos em um programa de pós-graduação, ficando apenas na graduação, não temos prestígio. Chegamos a justificar nossa entrada em programas de pós através de frases um tanto infantis como “se não estou na pós não consigo financiamento para o meu projeto”. Ora, mas qual é o seu projeto? Que adianta projeto se o aluno da graduação está tendo uma aula aligeirada e se você não pode estar presente no meio dos alunos, para criar a cultura da troca de experiência?
Universidade sem vivência universitária não é universidade, é mais um cursinho a distância. Ora, mas já não está tudo se transformando em curso a distância? Essa é a idéia geral: tirar as pessoas da condição de poderem viver e trocar experiências. O seqüestro promovido pela falta de tempo faz parte de um seqüestro maior, que é o roubo da alma por meio do isolamento do corpo, um destino posto já há algum tempo pelo projeto da modernidade. O professor universitário, todos os dias, cede a isso e, irresponsavelmente, diz que “é assim mesmo”. É a “globalização”, a “mercadorização” e… (ah, minha sina!) o “neoliberalismo”. Como o professor universitário gosta desse discurso pseudo-político que lhe tira a responsabilidade!
Cedemos à “cultura da pressa” e, logo em seguida, culpamos a “cultura da produtividade”. Não somos tão produtivos assim – isso pode bem ser notado se olharmos o que nossos alunos de graduação, ao final de quatro anos, sabem fazer.
Ouve um tempo que havia uma doença que era a da “criança hiperativa”, com dificuldade de aprendizado. Essa doença raramente ataca, agora, as crianças.
Prezado Alyson,
ResponderExcluirObrigado pelo apoio. Vamos tentar providenciar os livros de Foucault. Enquanto isso, porque não nos ajuda a digitalizar? A digitalização implica um trabalho coletivo para podermos acelerar a oferta de novos exemplares. Você tem máquina digital ou scaner? Podemos enviar um tutorial em que você apenas tire fotos dos livros e envie para o nosso email que nossa equipe se encarregaria de gerar o PDF editável.Para futuras solicitações utilize o email:equipecbs@gmail.com.
Saudações,
Equipe CBS