Nesses dias de comícios, carreatas e propagandas eleitorais, a vida diária é tomada por um apinhado de suportes gráficos e digitais por meio dos quais as imagens dos candidatos pousam sem muita delicadeza sobre os nossos olhos; por todos os lados, folders, fotografias, jingles, bandeiras e cartazes atacam nossos sentidos. Normal, demasiado normal. Porém, essa normalidade biênica habituou-nos a tratar a iconografia eleitoral com irreflexão ou, então, como insignificância da qual, é verdade, retira-se mais subsídios para a gargalhada e a troça do que para a análise. É que os próprios objetivos políticos e procedimentos técnicos para tal exigem para construção e difusão da imagem certa dose de nivelamento rasteiro das diferenças e das inteligências. Por isso, os jingles, as imagens e slogans eleitorais são, poder-se-ia dizer, aliás, a produção discursiva em geral da cultura de massa, a rigor, vagos, genéricos e vazios, assim como a idéia que esses supõem de seus receptores – o “povo”, os “eleitores”, os “espectadores”, a “opinião pública” etc. Dessa maneira, a irreflexão e a insignificância a priori dessas estratégias imagéticas e marketeiras se constituem como tais no momento mesmo de sua elaboração.
A análise, a investigação mais sistemática ou a digressão intelectual sem maiores propósitos é aquilo mesmo que pode transformar a suposta insignificância da espectacularização da política e das eleições em qualquer coisa de relevante, a propósito da qual vale à pena escrever alguns parágrafos ou conversar alguns minutos. Vamos lá, então! Evidentemente, as imagens em geral, sejam elas fixas, como na fotografia ou gravura, ou em movimento, como as imagens cinematográficas e televisivas, são capazes de afetar os sujeitos e as idéias; até que ponto elas fazem isso com sucesso segundo seus objetivos é um assunto que não tratarei aqui.
Os cartazes e as fotografias em que repousam as imagens dos candidatos visam algo muito simples e direto, a saber: estabelecer algum tipo de elo pessoal, mais ou menos íntimo, entre esses e os seus eleitores. O que se exprime nessas imagens não é de modo algum um programa de idéias ou projetos mas sim uma representação, uma mera idéia das motivações e disposições do candidato expressas desde o modo de vestir à maneira de sorrir e olhar capturadas pela fotografia. Em vez de um conjunto de propostas e problemas a serem debatidos, isto é, a política em certo sentido, a fotografia eleitoral visa condensar e transmitir, caricatamente, um ethos, uma maneira de ser do candidato, ou do partido do mesmo. A política é posta de lado em favor da representação de uma tipificação genérica de gestos, valores e atitudes com os quais os eleitores podem, com suas aspirações iludidas e esperanças vãs, se identificar. Nesse sentido, a imagem do candidato ou o ethos que sugere corporificar é, por um lado, uma espécie de isca pronta para fisgar e, por outro, um espelho que nos devolve a nossa própria miséria e desinteresse.
Assim, os cartazes, folders e bandeiras propõem os “bons moços”, “os simpáticos” que, retratados com aquele ar de espanto e convicção, prometem ser diferentes da sujeira costumeira dos demais; os candidatos cristãos ou “os puros de coração” geralmente são mostrados rodeados por seus belos filhos e por suas pudicas esposas. Emerge também o tipo “administrador competente e racional” de paletó, cabelo arrumado, caneta e óculos perscrutadores, apto a fazer prosperar, com racionalidade e ímpeto, as contas do estado de uma maneira moderna e empresarial. Esses olham diretamente, mas com ternura, numa foto de busto para acentuar o realismo de suas habilidades práticas como que de fato estivessem à nossa frente. Há também a iconografia do candidato “chefe de família”, cidadão viril e obediente, dotado da única firmeza, coerência e hombridade necessária e incorruptível para elevar à pátria ao seu destino; há o “idealista”, retratado, por sua vez, com o rosto erguido e o olhar nobremente dirigido àquele tempo, futuro ou passado, de inigualável distinção.
Enfim, os tipos são infindáveis. O que importa é atentar que a fotogenia eleitoral é um processo de simulacros, de duplicação, isto é, imagens que visam exprimir imagens. A ironia das coisas é que seu objetivo de suscitar a identificação só é eficaz na medida em que conta com nossa cumplicidade, ou melhor, na medida em que, de certa maneira, vemos algo de familiar naquelas imagens. Ou seja, quando vemos a nós mesmos ali caricaturados, ainda que seja para rirmos e zombarmos de nossa própria imagem.